Alegria e dor junto ao Presépio

O cântico de Natal por excelência, o Stille Nacht, expressa em si o equilíbrio das almas santas na junção entre a alegria e a dor. Não seria esta a própria canção de Maria Santíssima a seu Divino Filho?

 

Nas vésperas da noite de Natal, da “Stille Nacht, heilige Nacht” – a noite de graça por excelência –, que meditação me vem ao espírito?

Os acontecimentos que nos circundam são tão tumultuosos, tudo quanto nos cerca é tão premente, meditamos de dentro de uma luta tão forte, que não é possível que as marcas de tormento, de sangue e de lágrimas não repercutam em nossa meditação. É desta maneira que apresento o que está em meu espírito.

Plano metafísico de Deus a respeito da Encarnação

Segundo uma corrente de teólogos, Nosso Senhor Jesus Cristo ter-Se-ia encarnado e vindo ao mundo ainda que não tivesse havido o pecado original e, com este, a necessidade da Redenção.

Por que teria Ele vindo ao mundo se o gênero humano não precisasse ser redimido? Por causa de um plano metafísico de Deus, de uma beleza incomparável, sem o qual creio que as festas do Santo Natal não podem ser adequadamente compreendidas e aquilatadas.

A ideia de que o Verbo de Deus Se faria carne e habitaria entre nós e que haveria de ser um Homem com plena natureza humana, unido por união hipostática à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, este plano divino existia em virtude do princípio metafísico da “reductio ad unum”.

Tendo Deus criado os homens, não era necessária a Encarnação, mas convinha, era excelente que o Filho de Deus se fizesse Homem. Por quê? Por causa de uma excelência que aos Anjos não foi dada, e sim aos homens, inferiores aos espíritos angélicos.

Explico-me. Quando existe uma pluralidade de seres congêneres, há a conveniência de que haja um ser mais excelente do que todos, o qual reúna em si em alto grau todas as qualidades que nenhum daqueles seres plurais possui individualmente.

Exemplificando o princípio da “reductio ad unum”

Imaginem uma praia de onde alguém tomasse um punhado de areia com grãos prateados e brilhantes como se fossem pequenas estrelas, e utilizando um microscópio potentíssimo fosse contemplando grão por grão. Essa pessoa veria que cada grão é diverso dos outros e tem, por algum lado, uma excelência própria.

Qual seria a operação do espírito humano analítico, inteligente, capaz de se encantar com a beleza própria de cada grão, como quem vê um só? Ele tenderia a formar uma imagem una e se perguntaria como seria um grão ideal, que tivesse uma beleza plena. Este é o princípio da “reductio ad unum”.

Os grãos de areia são de um mesmo gênero, mas plurais. São milhões numa praia. Como seres plurais que são, cada um deles tem um dos aspectos de beleza de que o gênero “grão de areia” é capaz. Assim, depois de percorrer todos esses aspectos como quem lê as letras que formam palavras das quais nasce um livro, a alma humana, por ser una, pede uma figura também una e se pergunta, necessariamente, como seria o super-grão, o arqui-grão, o grão perfeito que contivesse magnificamente todos os outros.

Poderíamos supor a existência de um homem que quando menino tivesse começado a analisar grãos de areia e ao chegar à senectude, quando a sua vista cansada já não pudesse mais ver novos grãos, começaria a excogitar, com o poder de sua inteligência alcandorada pela vida, como seria o arqui-grão. Então realizaria a obra de arte de sua vida, deixando o grão arquetípico desenhado ou pintado num papel, evidentemente em dimensões maiores que a original, mas tão reduzidas quanto ele pudesse representá-lo, porque o homem não é capaz de acumular tantas perfeições em tão pequena superfície. Pode-se compreender que, no momento em que ele tivesse acabado de pintar o arqui-grão, de sua mão envelhecida caísse o pincel e ele morresse cantando o “Gloria in excelsis Deo” – Glória no mais alto dos Céus a Deus, e paz na Terra aos homens de boa vontade. “O arqui-grão eu concebi, a minha mente o desenhou!” Compreende-se que essa seria uma linda vida.

Alguém diria: “Vida de poeta!” Outros pensariam: “Vida de artista!” Nós afirmaríamos: “Vida de teólogo!” Mais ainda, diríamos: “Vida de um homem cheio do espírito do Reino de Maria!” Porque aqui está o espírito do Reino de Maria: assomar a pluralidade das belezas de um mesmo gênero e procurar reduzi-las a um só arqui-modelo que supere em qualidade tudo aquilo que ele sintetiza, e que ao mesmo tempo se veja representado e multiplicado ao infinito por aquilo tudo em que ele se reflete.

Isso nós vemos também no céu. Quando contemplamos todas as estrelas do firmamento, pensamos numa arqui-estrela. E tão misericordioso foi Deus, que não tendo querido criar a arqui-estrela, por desígnio de sua infinita Sabedoria, deu-nos uma ilusão de que essa arqui-estrela existe: o Sol e a Lua. Mas, ao mesmo tempo, Ele nos deu a ciência de que essa arqui-estrela não existe, porque com o telescópio vemos o Sol e sabemos que, embora ele nos pareça tão grande, é uma bolinha perdida nessa quantidade infinita de sóis existente no Universo.

Então, ao mesmo tempo em que Deus nos mostrou uma grandeza que, à primeira vista, não tem “unum” no céu, implantou ali, entretanto, a ilusão desse “unum” na Lua. Ao vê-la, nós sossegamos dizendo: “Ó Lua, tu és verdadeiramente rainha!” Contudo, enquanto a nossa sensibilidade aclama a Lua como rainha, a inteligência glorifica a Deus dizendo: “Não! Há algo de muito maior, de muito mais belo. Como a Lua é pequena! Ela não é senão uma insignificante representação da Mãe do Criador. E se esta é a Lua, como é Aquele que Se faz simbolizar no Sol?”

Tendo, pois, considerado a operação da “reductio ad unum”, pela qual o meu espírito caminhou, desde a minha juventude, com passo fiel, mas incerto durante tantos anos até conseguir encontrar a pista que nesse momento estou apontando, passarei a apresentar algumas aplicações correntes dessa ideia.

Reversibilidade própria ao Reino de Maria

Há poesias que declamam a beleza da flor. O que é essa flor em abstrato que tantos poetas cantam? Eles não percebem, porque os poetas muitas vezes não sabem Filosofia…

Aliás – abro aqui um parêntese –, o mal dos poetas é que não sabem Filosofia; e o mal dos filósofos é não saberem poesia. Eles mesmos não têm espírito voltado para a “reductio ad unum”. Se os filósofos fossem poetas de grande alma, não parariam sem ter sondado pelo sentimento a beleza do pensamento que tiveram. E se fossem filósofos de corpo inteiro, não descansariam sem ter expressado a beleza que seu pensamento concebeu, mas não sentiu. É nessa reversibilidade que a alma, sobretudo no Reino de Maria, se encontrará plena; assim as nossas almas devem ser.

Pois bem, o poeta canta, sem perceber, uma flor metafísica, ideal, que teria as qualidades de todas as flores: “flos florum” – a flor das flores, perfeita –, que encontra no miosótis, na rosa, em quantas outras flores a expressão suprema de sua beleza. Esta também não existe no reino das flores, mas é a poesia que a cria, é o homem que a imagina.

Encontramo-nos, portanto, nesta situação: para determinados seres Deus cria um padrão perfeito, onde se vê o arquétipo. Para outros Ele cria um imenso e esplendoroso farelo de maravilhas, mas não cria o padrão perfeito.

Deus quis que houvesse uma “Arqui-alma” entre os homens

Notamos isso em seres magníficos: os Anjos. Poder-se-ia argumentar: “Mas os Arcanjos não são o arquétipo dos Anjos?” Eu digo: São! Mas quem é o arquétipo dos Arcanjos? Há sete espíritos angélicos supremos que diante do trono de Deus O adoram eternamente. Serão sete, contados nos dedos das mãos, ou este deve ser um número simbólico? Quiçá seja simbólico, e ninguém sabe qual é o número desses Anjos mais magníficos do que todos, os quais, por sua natureza, são os mais altos dos seres criados, e que rutilam diante de Deus por toda a eternidade, arrancando d’Ele, por assim dizer, esta exclamação comprazida e eterna: “Como são perfeitos!” Entretanto são sete… E o “unum” desses Anjos não existe.

Deus, entretanto, ao criar o gênero humano tão inferior aos Anjos, ao conceber esta multidão incalculável de almas, desde Adão até o último que viverá sobre a face da Terra, fez cada uma à maneira de uma coleção tal, que cada alma é inteiramente única, e se ela se entregar a Deus será uma maravilha inteiramente singular como nenhuma outra. Umas poderão ser maiores, outras menores, mas como aquela só ela. Se Deus criasse duas almas iguais, Ele faria um absurdo, seria como se Ele gaguejasse repetindo errada e inutilmente duas sílabas na “palavra” perfeita que é a Criação. Isso Ele não pode fazer. O seu Verbo tem todos os poderes, menos o de tartamudear, pois isso seria imperfeito.

Deus teve a intenção de criar essa variedade prodigiosa de almas, todas destinadas a um ideal de santidade.

Consideremos não só os inúmeros povos dos quais a História nos dá uma ideia, ainda que vaga e pálida, cujos restos existem mais ou menos espalhados pela Terra, mas quantos povos houve que a História tragou. Há, por exemplo, pela Indonésia, cidades enormes em ruínas, com inscrições que ninguém entende, de povos com civilizações que nasceram e morreram não se sabe como, duraram não se sabe quanto. Ali estão na solidão, metidos nas selvas, em ilhas no meio dos mares, monumentos esplêndidos representando os anseios dos homens, de povos, de raças a respeito dos quais nada há no registro da História. Assim podemos fazer ideia da insondável quantidade de homens que nasceram, de almas surgidas do poder criador de Deus, desde o momento em que Ele criou Adão.

Mas para nós, homens, tão menores do que os Anjos, Deus deliberou criar uma Arqui-alma, e essa variedade Ele quis que tivesse um “unum”. Assim como o arqui-grão de areia, deveria haver um Homem tão prodigiosamente grande, que tivesse na sua inteligência mais do que as inteligências de todos os homens, em quem houvesse as peculiaridades de todos os homens em tão alto grau, e que seria enormemente mais perfeito do que todos eles.

O “Unum” de todos os homens

Suponhamos que conhecêssemos um homem dotado de tal poder que, quando ele se movesse, os astros parariam de pasmo; quando passasse, as flores se voltariam para ele, os animais viriam prestar-lhe homenagem, as plantas e as ervas se estenderiam à procura dos pés dele para, pelo menos, serem calcadas por ele; as brisas iriam a seu encontro; as águas que o refletissem estremeceriam de alegria. Pois bem, imaginemos esse varão, o Arqui-Homem, deitado numa manjedoura e teremos uma ideia irremediavelmente pálida e imperfeita do Menino-Deus nascido da Virgem Maria, que chorou e sorriu em Belém.

Com efeito, os clamores dos cruzados, a misericórdia de todos os Santos que se entregaram às obras espirituais ou temporais de caridade ao longo da História, tudo isso nasceu d’Ele, esteve na alma d’Ele de um modo inimaginável. Antes de encontrar algum reflexo na alma dos Bem-aventurados, cujos nomes, ao declinarmos, nos sentimos cheios de respeito e veneração, essa coorte incalculável ao longo dos séculos estava n’Ele, mas de um modo tal, que se nós temos vontade de fletir os joelhos pensando em Santa Teresa, em São Francisco de Assis, na majestade pensativa, meditativa, solene de São Bento, não podemos ter nem sequer uma pálida ideia de como tudo isso foi em Nosso Senhor. Eles todos foram fagulhas d’Ele. Fagulhas tão bonitas que não chegamos a poder representá-las; contudo, em face d’Ele tão pequenas que passam a ser insignificantes. Entretanto, por elas compreendemos o que foram essas perfeições em Nosso Senhor Jesus Cristo.

A essas perfeições estava associado um dom que se Jesus Cristo fosse apenas um arqui-homem não teria: a união hipostática fazendo de duas naturezas inteiramente distintas uma só Pessoa Divina. Ele é a própria imagem do Padre Eterno com todos os seus resplendores, contendo a expressão desses resplendores eternos de tal maneira que Ele, voltando-se para o Padre Eterno, como que se adora a Si próprio vendo-O. Dessa adoração entre essas duas perfeitas identidades procede a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade que é o Divino Espírito Santo.

A união deste Arqui-Homem com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Lhe confere algo em comparação do qual nada é nada! De tal maneira isso é possante, reluzente, eterno, divino, que vai acima de tudo quanto possamos pensar.

Vê-se como Deus quis fazer a nós, homens, tão inferiores aos Anjos, esta honra. Não houve um Anjo que fosse a “reductio ad unum” de todos os Anjos. Não houve um Anjo ligado por união hipostática a alguma das Pessoas da Santíssima Trindade. Mas houve um Arqui-Homem ligado por união hipostática ao Verbo Divino. “Hic taceat omnis lingua”! – aqui toda língua se cale!

Beleza da grandeza que se faz pequena

Quis a Providência – e aqui está o encanto do Natal – fazer-nos ver até que ponto esse Homem-Deus continha todas as belezas possíveis do homem, mas que toda meditação sobre o Santo Natal começasse por contemplar esse Homem divinamente grande como pequeno.

Aquele do qual nós cantamos a grandeza dizendo ser o firmamento pequeno para contê-Lo, começamos por analisá-Lo numa manjedoura; frágil, entregue ao zelo de Maria e José, objeto da adoração dos pastores e dos magos, ao bafo dos animais que O foram aquecer na noite fria daquele inverno.

Deus quis que Aquele que criou o Sol fosse acalentado pelo bafo dos animais. Deu-nos com isso uma lição da dignidade da vida: um boi vale mais do que o Sol, porque é um ser vivo. E, ao mesmo tempo, há uma humildade enorme em Deus Nosso Senhor permitir que o bafo desse animal, desta Terra de exílio, pousasse sobre quem criou o Astro-Rei. Há, porém, uma glorificação do que é vivo nessa honra primeira: enquanto o Sol “dormia”, o boi estava acordado e os Anjos chamavam os pastores. Percebem-se facilmente os contrastes magníficos contidos nisso.

Deus faz entender que o menor dos homens, mais torto, mais burro, mais “capenga”, mais doente, seja o que for, comparado com o Sol é muito mais, desde que não seja pecador, mas fiel à graça de Deus. Pois se o menor dos homens dista mais do boi do que este dista do Sol, quanto mais o menor dos homens vale mais do que o Astro-Rei!

Então, Nosso Senhor Jesus Cristo entra na Terra dando-nos esta magnífica e inesquecível lição: tão pequeno para mostrar a grandeza de tudo quanto é pequeno, de tudo quanto nasce e se desenvolve a partir de um determinado ponto, a grandeza das eras históricas no momento em que nascem de dentro da luta, das cóleras sagradas, das oposições irredutíveis de um pequeno grupo de perseguidos. Aí está a beleza e a grandeza de tudo quanto germina.

Ternura e compaixão no cântico natalino por excelência

Vemos, portanto, quanta meditação filosófica cabe dentro da consideração do Menino na manjedoura. Isso está bem expresso nos acentos da “Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft. Einsam wacht. Nur das traute heilige Paar”. A alma de um professorzinho da Baviera, no século XIX, cantou; houve um compositor e um poeta que, para tirar um vigário do apuro numa noite de Natal, exalaram uma canção que se poderia dizer que a humanidade tinha pressa de cantar.

Passaram-se mil e oitocentos anos da era cristã e o cântico de Natal popular e perfeito não tinha ainda aparecido, mas dir-se-ia que nas sombras todos o tateavam. Quando afinal esse anseio foi se acumulando nessas duas almas, que não tinham nenhuma noção disso, na hora certa desejada pela Providência eles compuseram a canção certa que em determinado momento o mundo ouviu maravilhado; ela se espalhou pelo mundo como o cântico natalino por excelência.

Ouçamos os acentos dessa música. Está o Menino Jesus, tão grande e tão pequeno, na manjedoura. Ele poderia ser tão terrível se nos manifestasse sua força. Mas está tão desarmado, e quis de tal maneira colocar-Se ao nosso alcance que para nos convencer bem de que Ele quer ter essa familiaridade, esse contato absolutamente desembaraçado conosco, fez-Se menor do que nós, embora seja infinitamente maior. Quis que o alfa da meditação a respeito d’Ele fosse considerá-Lo tão pequenino, e que nos extasiássemos não por vê-Lo criar os sóis, reerguer a Terra, presidir a História, criando as almas e modelando os corpos, inspirando as ações dos bons e punindo os maus; nada disso. Mas contemplá-Lo tão pequeno que exclamemos: “Mas como Ele, tão grande, veio a ser tão pequenino! Ele é tão imenso! Infinito! Entretanto, tem tanta ternura que chegou a esse extremo inimaginável de querer inspirar pena como proêmio de provocar admiração!”

Toda meditação da vida d’Ele é uma sequência de admirações. Ele quis que o primeiro movimento de admiração fosse misturado com compaixão. Como Ele quereria depois, que o último movimento de admiração fosse misturado com pena também. E quando chegasse o último episódio da vida terrena d’Ele, na última agonia, disséssemos: “Meu Deus! Que pena de Vós!” Quer dizer, Ele é tão maior do que nós, que não conseguiríamos amá-Lo caso Ele não Se nos apresentasse menor. Em sua bondade, para ter proporção conosco, tão pequenos, só Ele fazendo-Se criança é que a relação conosco podia começar. Só fazendo-Se verme e não homem, opróbrio dos homens e gargalhada do povo – como d’Ele diz o Profeta Isaías –, fazendo-Se assim no alto do Calvário é que poderíamos nos comover. Nós somos tão pequenos que não leríamos o livro inteiro se a primeira e a última letra não tivesse uma estatura menor até do que nossos olhos.

Ajoelhados diante do Presépio, contemplando o Menino Jesus, sentimos um respeito sacral acompanhado de ternura e compaixão. O amálgama entre o respeito e a compaixão – sentimentos aparentemente incompatíveis, à primeira vista – inspira, do princípio ao fim, a “Stille Nacht”.

Ogiva de incomparável esplendor

As palavras falam da noite silenciosa, santa; enquanto tudo dorme, vela isolado o respeitabilíssimo e altamente santo casal. Mas enquanto essas lindas palavras são proferidas, a melodia diz mais do que os vocábulos. A música exprime não tanto o que se sente a respeito da noite silenciosa durante a qual todos os filhos das trevas dormem e só o casal justo por excelência está acordado, mas o sentimento desse casal vendo o Menino Jesus.

Quando ouvimos cantar “Stille ­Nacht”, temos a impressão de entrar no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria e de ouvir ali a própria canção d’Ela dizendo: “Meu Filho! Meu Deus e tão menino, tão pequenino, tão grande e tão adorável! Como Te adoro! Como tenho pena de Ti! Como Te respeito! Protege-Me! Como Te amo! Eu Te protegerei!”

Nessa música está a ogiva incomparável que para mim é o símbolo perfeito do sentimento que a noite de Natal deve despertar. Há qualquer coisa de muito alto! Ele está lá! Perto d’Ele está Ela, e perto d’Ela está São José! Mas, sobretudo, está Ele, tão infinito e tão pequeno, e ao mesmo tempo tão adorável!

Do começo ao fim no “Stille Nacht”, o sentimento que se desenvolve é esse. Se entoarmos este cântico debaixo dessa interpretação, notaremos ora o grave do pensamento adulto, ora qualquer coisa que fala do sentimento do menino; e é quase um diálogo entre o adulto e a criança. Por outro lado, há momentos em que se tem impressão de se ouvir o Menino chorar, e outros nos quais o Ele sorri.

Tristeza augusta, admiração jubilosa

Há mais algo no “Stille Nacht” que participa da atmosfera natalina à maneira de como Cristo Nosso Senhor, presente e vivo na Igreja Católica, faz parte da atmosfera interna de toda catedral gótica. Há, ao longo de toda a música, um certo amálgama harmonioso de alegria e de tristeza, independente dos momentos em que a nota de alegria ou de tristeza é maior. Desde o começo, no “Stille Nacht” há uma certa tristeza augusta, ao lado de uma admiração jubilosa. Mesmo quando fala de pranto, há uma certa alegria subjacente.

Quando entramos numa catedral e vemos uma rosácea na qual bate o Sol – a penumbra da catedral e aqueles dardos de luz multicolor que espalham safiras, esmeraldas e outras “pedras” pelo chão –, por todos os lados encontramos o esplendor cercado pela penumbra, percebemos uma composição de alegria e dor que forma um dos mais altos aspectos do equilíbrio da alma humana. Creio que esse aspecto se exprime muito na Liturgia católica, que muitos consideram enfadonha por só saberem viver de gargalhadas. Mesmo nos dias das comemorações de Páscoa, há qualquer coisa de tristonho; assim como na Semana Santa há um fundo de esperança que nada consegue apagar.

Se analisarmos bem o que fez a Revolução dessa ogiva composta de alegria e de dor, veremos como ela tentou destruí-la. Essa ogiva que se vê tão bem nas boas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora, no Santo Sudário, por exemplo, a dor tremenda, mas aquela decisão, o olhar daqueles olhos fechados, a proclamação daquela boca muda, o teso daquele corpo flácido; é uma coisa admirável! Eu não digo que não haja artista capaz de representar, não há artista capaz de conceber!

Dor no fundo da qual habita a alegria inefável

Pois bem, esse equilíbrio de alegria e de dor, se prestarmos atenção, a Revolução rachou. E as pessoas imaginam a dor como um estado de alma sem alegria, e definem alegria como um estado de alma sem dor. Olhando ao nosso redor vemos isso com uma frequência impressionante, para não dizer que só encontramos essa concepção, mesmo entre almas muito piedosas. Por exemplo, considerar a Semana Santa como a semana de dor, na qual só se chora; enquanto o Natal, a semana da alegria, onde só se fica contente.

Ora, quando uma cinde a alegria da dor, só concebe dores sem alegria e alegria sem dores, ela se racha ao meio. A Revolução, por não considerar a não ser desse modo, é maldita, porque rachou, liquidou e tirou de dentro das almas a paz da “Stille ­Nacht! Heilige Nacht”!, a paz do Natal e ao mesmo tempo da Sexta-Feira Santa.

Todos hoje fogem da dor. Há pregadores que querem convencer os homens a se resignar com a dor. Eles têm razão, mas quão raros são eles… Foram mais numerosos outrora. Será que eles sabiam pintar aos homens essa verdadeira dor no fundo da qual habita a alegria inefável de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, Ele crucificado, e Ela aos pés da Cruz? Será que na hora de júbilo eles sabiam comunicar as alegrias que não eram contrárias à dor, mas preparavam para ela? Quem não vê na alegria do “Stille Nacht” uma preparação para a Paixão? E quem não percebe que no meio daquelas alegrias arrebenta um pouco do soluço da Santíssima Virgem junto à Cruz?

Um dos meus primeiros encantos com a Igreja Católica foi quando eu era menino, tão pequeno que nem sabia bem o que era alegria nem dor, mas sentia essa penumbra na igreja e ouvia o órgão, o qual sempre tem algo de Sexta-Feira Santa e de Natal em tudo quanto toca, e dizia de mim para comigo: “Há aqui um equilíbrio ao qual dou um nome: santidade! Este é o estado temperamental, a fisionomia moral dos Santos. Encontro isso no interior de tantas igrejas, refletido em tantas imagens…” De onde vem o equilíbrio? Dessa junção do qual a “Stille ­Nacht” nos dá um exemplo, mas da qual a Igreja Católica nos dá mil outros.

Peçamos à Mãe de Deus, presente aos pés do Menino Jesus, e cujo Sapiencial e Imaculado Coração é o reflexo indizivelmente perfeito de tudo quanto há n’Ele, que nos dê muitas graças à maneira de sorrisos cumulativos de alegria e dor; e nos conceda esse especial equilíbrio de alma, o qual fará de nós os heróis que queremos ser, ou seja, os santos, pois só eles são os verdadeiros heróis.

É nessa perspectiva que, diante do Presépio que começa a se engalanar, dobro os joelhos e peço o auxílio de Nossa Senhora.              v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1978)

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