Como um voo angélico

Assim como o gótico, no seu início, manifestava uma força muito grande, com riquezas de graça, delicadeza e leveza que só depois se exprimiram, do mesmo modo, olhando para ele, no fundo de nossas almas católicas há um anseio de que algo novo, realmente magnífico ainda apareça. Nas obras do Espírito Santo não pode haver contradição. Tudo é lógica por mais que o passo seja enorme.
A Catedral de Ravena, na Itália, é um edifício octogonal construído num estilo bizantino muito característico, com aquelas figuras em mosaico, típicas da arte bizantina, postas numa espécie de estado contemplativo, desligadas das circunstâncias concretas de tudo, sobre um fundo dourado.

Os diversos estilos ao sopro do Espírito Santo

Passar desse estilo para o românico constitui, sem dúvida, um salto. Não se deve confundir o românico com o greco-romano. Este último é o estilo grego com pequenas adaptações feitas pelos romanos. O românico é uma adaptação que os bárbaros fizeram do estilo romano a algo existente na alma deles e que não havia no espírito da civilização romana.

Quando consideramos um estilo mais próximo do românico, como é o da época de Ravena, não é fácil perceber que de lá surgirá o românico. Entretanto, ao ver o românico e depois o gótico, percebemos que o gótico estava nascendo no românico.

Então, podemos dizer que o espírito de Ravena correspondia a alguma coisa do gótico, mas com interferência de algo violentamente diferente ligado ao romano antigo. Já do românico para o gótico, pelo contrário, continua em linha reta.

Assim como o gótico, no seu início, manifestava uma força muito grande, com riquezas de graça, delicadeza e leveza que só depois se exprimiram, mas que já estavam presentes no gótico originário, poderíamos perguntar o seguinte: quando o gótico chegou a exprimir a sua delicadeza, a par de sua força, ele estava esgotado ou tinha mais algo?

A força e a graça são posições ou valores harmônicos, mas tão diversos entre si que se diria, à primeira vista, tratar-se de uma contradição. Mas, de fato, dentro das coisas da Igreja, como nas obras do Espírito Santo, não pode haver contradição. Tudo é lógica por mais que o passo seja enorme.

Algo de novo ainda poderá surgir do gótico

Tomado esse conjunto de força e de graça, qual é a nova perfeição contida potencialmente no espírito católico e que viria a se exprimir no Reino de Maria?

Poder-se-ia conjeturar que fosse uma coisa muito ousadamente diversa e profundamente afim, mais ou menos como a capa leve e graciosa de uma rainha, capaz de tremular ao vento de tal maneira que uma pessoa pensasse ter sido a capa dilacerada pela ventania. Mas, na realidade, ela nunca se rasgou; voltou-se de um lado e de outro e deu, por vezes, uma impressão de fragmentação, porém um olhar bem exercitado perceberia a unidade que nunca se rompeu. Assim, nós poderíamos conjeturar o que seria o estilo do Reino de Maria.

Algo, portanto, que seria uma continuação do gótico surpreendentemente descontínua na aparência, compensando, por assim dizer, a sensação de fim de caminho, de perfeição que não há como acrescer ao que o gótico trazia consigo.

Há como crescer! Com um salto prodigioso, mas um salto de Anjo. Um voo, não um salto, numa direção inteiramente diversa, que apareceria e começaria a brilhar de um modo superior à conjetura do espírito humano. Uma beleza que a graça faria ver em determinado momento. Então, a nossa exclamação de entusiastas do gótico, que quereríamos vê-lo conservado com veneração no esplendor do Reino de Maria, seria: “Ah, era isso mesmo que faltava!”

Porque, embora olhando para o gótico tenhamos a impressão de não lhe faltar nada, no fundo de nossas almas católicas há um anseio de que algo novo, realmente magnífico, ainda apareça.

Um golpe de gênio

Dou um exemplo que pode chocar alguns rigoristas do gótico. Bernini1 foi um artista muito marcado pela Renascença; entretanto, ele teve um golpe de gênio construindo aquela colunata do lado de fora da Basílica de São Pedro. Após ter visto essa colunata com olhos de homem maduro capaz de fazer uma análise, ficaram dois efeitos no meu espírito.

Em primeiro lugar, um conjunto de colunas coberto, tendo, portanto, algo em comum com uma igreja ou casa, mas muito mais arejado do que qualquer destes ambientes; uma colunata fora da igreja, mas continuando o edifício sagrado, constitui uma espécie de meio-termo harmônico entre o templo e o mundo profano, que agrada ao espírito conceber.

O próprio traçado da colunata da Basílica de São Pedro é firme, lógico; neste ponto pouco renascentista por ser um traçado forte e sério, não tendo aquele aspecto trêmulo das coisas renascentistas.

Ademais, a colunata é majestosa. Dir-se-ia que cada coluna é como um soldado invisível prestando armas e continência ao rei que passa. Neste caso é o mais alto Rei da Terra, o Papa, não considerado apenas como soberano dos Estados Pontifícios, mas como Rei deste Reino de tamanho mais do que cesáreo, que é Igreja Católica Apostólica Romana, a qual se estende sobre toda a Terra, penetra em todos os povos e abriga em si todas as raças.

Outro efeito causado pela colunata em meu espírito é a ideia de que, depois de Bernini ter descoberto essa fórmula, ninguém construiu uma igreja tão magnífica que merecesse uma colunata, e se fizesse ficaria uma cópia desagradável porque pretensiosa. Por outro lado, mais ninguém teve talento para conceber um conjunto de colunas e dar-lhe um desenho novo, que não seja uma repetição da colunata de São Pedro. Ficou, portanto, uma coisa encalhada. Mas vejo na colunata de Bernini algo no qual talvez se pudesse vislumbrar um prenúncio falho, abortivo, de um elemento para o Reino de Maria.

É uma hipótese que eu carrego de incertezas; mas fica-me uma impressão meio conjectural na alma de que, para o exterior de igrejas, alguma coisa assim se inventará no Reino de Maria, e para cuja elaboração essa obra de Bernini foi apenas um esboço.

Deus deverá suscitar, a pedido de Nossa Senhora, um homem com talento

Dentro da Basílica de São Pedro encontramos o Altar da Confissão, encimado por um dossel sustentado por quatro colunas também esculpidas por Bernini. Como todas as obras de arquitetura da grande época da Itália, são feitas de mármore. Os mármores italianos são lindíssimos, e a pedra de que é construído aquele conjunto é muito bonita. Entretanto, as colunas não me agradam, por serem esculpidas num formato espiral grossão e mole.

Mas está ali uma tentativa de representar algo que correspondesse à seguinte pergunta do espírito humano diante de uma coluna: “Esta coluna não poderia ter um traçado em que ela, sem deixar de ser coluna, sugeriria a ideia de um movimento mais elegante, mais leve?”

O artista tentou dar a resposta com aquela fórmula. A meu ver, ele fracassou. Mas não haveria uma solução? Nesta procura de algo que fizesse com que a coluna, sem deixar de ser majestosa, alta e forte, apresentasse algo de ligeiro, que é quase a antítese da coluna? Admito a possibilidade de que seja assim, mas é uma incógnita.

Deus deverá suscitar, a pedido de Nossa Senhora, um homem com talento igual ou talvez muito maior do que o de Bernini para apresentar uma fórmula nessa linha.

Simplesmente em torno desses dois elementos – a colunata externa da Basílica de São Pedro e o sonho que as colunas do Altar da Confissão não realizaram – quiçá nascesse um estilo novo.

Hipóteses que não se podem perder de vista

Na Basílica de São Paulo, situada fora dos muros de Roma, há também elementos artísticos muito bonitos que apontam para um novo estilo, e cuja história conto resumidamente.

No século XIX, aquela Basílica sofreu um incêndio que danificou gravemente os vitrais. Quando o Papa Pio IX mandou reconstruir a igreja, surgiu o problema de substituir os vitrais perdidos, por outros que estivesse à altura da beleza da Basílica. Às vezes, Deus Se compraz em ser glorificado pelos seus adversários. O Sultão da Turquia, maometano, ofereceu ao Pontífice chapas de alabastro muito finas e bonitas, que davam cada uma para encher o vácuo de uma janela.

Assim, por presente desse filho de Maomé, apareceu uma forma de “vitral” muito bonita, porque tinha o indeciso da luz que penetra através de certo tipo de alabastro, com a delicadeza dos veios discretos, mas imaginosos, que as pedras por vezes apresentam.

Pio IX não teve dúvida nenhuma e mandou colocar os alabastros.

Em viagem a Roma, pude ver algumas dessas peças detidamente, e me veio ao espírito esta pergunta: “Será que matérias homogêneas e não mais com aquela riqueza cromática dos vitrais, mas com um colorido homogêneo e discreto, não representariam a nova fórmula de vitral no Reino de Maria?”

Diz-se com entusiasmo o que eu vou afirmar sem entusiasmo: a indústria está muito avançada, e por isso se fabricam joias falsas com toda espécie de matérias levadas a altas temperaturas. Não haveria algum grande artista capaz de fabricar matérias mais bonitas do que o alabastro, e que, entretanto, representassem uma fórmula nova para os vitrais de uma igreja, de um palácio ou de um castelo?

São hipóteses que não podemos perder de vista, compreendendo que se deve sentir nisto sempre o espírito gótico, e nunca o repúdio desse espírito. O espírito gótico presente, completado por mais uma ogiva, que seria o elemento novo por ele explicitado.

Se pudéssemos imaginar como será um Santo no Reino de Maria, então conseguiríamos vislumbrar alguma coisa da arte nesse Reino.v

Revista Dr. Plinio 275 (Extraído de conferência de 28/7/1989)

1) Gian Lorenzo Bernini (*1598 – †1680), arquiteto e escultor italiano.

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