A presença de Cristo entre os homens

Em palestra feita numa Quinta-Feira Santa, dia da instituição do Santíssimo Sacramento do Altar, Dr. Plinio salienta nosso dever de agradecimento a Jesus e a Maria por esse dom de valor infinito.

 

Hoje é o dia da instituição da Santíssima Eucaristia. Os senhores devem tomar em consideração a propósito da Santa Ceia, o seguinte pensamento que me ocorreu certa vez.

Uma pessoa que tivesse Fé e soubesse que Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus, assistisse à sua Crucifixão e estivesse informada de que depois viriam a Ressurreição e a Ascensão, essa pessoa poderia se perguntar: “Depois da Ascensão, nunca mais virá Ele à Terra? Então, até o fim do mundo Ele estará ausente? Seria isto arquitetônico? Seria razoável, tendo Ele feito pela humanidade tudo quanto fez?”

Jesus Cristo imolou sua vida de um modo dolorosíssimo e resgatou todo o gênero humano. Ele quis condescender em contrair com os homens que Ele salvou essa relação tão especial, de ser Ele a cabeça do Corpo Místico, que é a Igreja. E quis, pela graça, estar continuamente com todos os homens até o fim do mundo, de maneira a, por ela, vir a ser a alma de nossa própria alma, o princípio motor de nossa vida sobrenatural. Poderia, então, haver deste lado tanta união com Ele e, uma vez Ele morto, uma tão completa, tão prolongada, tão irremediável separação? Seria possível que Jesus subisse aos Céus e cessasse assim a presença real d’Ele na Terra?

Tudo clamava pela instituição da Eucaristia

Não quero dizer que a Redenção e o sacrifício da Cruz impusessem a Deus, em rigor de lógica, a instituição da Sagrada Eucaristia. Mas pode-se dizer que tudo clamava,tudo bradava, tudo suplicava por que Nosso Senhor não se separasse assim dos homens.

E uma pessoa com senso arquitetônico deveria entrever que Nosso Senhor arranjaria um meio de estar sempre presente, junto a cada um dos homens por Ele remidos. De forma tal que, depois da Ascensão, Ele estivesse sempre no Céu, no trono de glória que Lhe é devido, mas ao mesmo tempo acompanhasse passo a passo a via dolorosa de cada homem aqui na Terra, até o momento extremo em que cada um dissesse, por sua vez: “Consummatum est” (Jo 19,30).

Como se faria essa maravilha?

Essa hipotética pessoa não poderia adivinhá-la, mas deveria ficar sumamente suspeitosa de que, de algum modo, ela se realizaria. De tal maneira está nas mais altas conveniências da qualidade de Redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo — o qual é nosso Protetor, nosso Médico, nosso divino Amigo — que seria próprio d’Ele fazer por nós esse prodígio.

Eu creio que se eu assistisse à Crucifixão e soubesse da Ascensão, ainda que não soubesse da Eucaristia, eu começaria a procurar Jesus Cristo pela Terra, porque não conseguiria me convencer de que Ele tivesse deixado de conviver com os homens.

Presente em todos os lugares, em todos os momentos

Esse convívio verdadeiramente maravilhoso de Jesus Cristo com os homes se faz, exatamente, por meio da Eucaristia.

Em todos os lugares da Terra, em todos os momentos, Ele está realmente presente, nas catedrais opulentas e nas igrejinhas pobres. Quantas vezes, viajando em estradas de rodagem, encontramos umas capelinhas minúsculas, pobres, que dão para acolher apenas umas vinte ou trinta pessoas. Passamos por uma delas e comovemo-nos, pensando que nela Nosso Senhor Jesus Cristo esteve, está ou estará realmente presente — com toda a glória do Tabor, com toda a sublimidade do Gólgota, com todo o esplendor da Divindade — de tal maneira Ele multiplicou pela Terra a sua presença adorável!

Olhamos para as pessoas que encontramos numa igreja, e pensamos: “Nosso Senhor Jesus Cristo está presente neste homem que comunga. Naquele outro, estará ainda nesta semana, talvez hoje mesmo, talvez amanhã. Estará presente tantas e tantas vezes! Eis um homem que vai ser transformado, embora por algum tempo, num sacrário vivo. Muito mais do que num sacrário, porque o tabernáculo contém as espécies eucarísticas, mas não comunga.” Aí nós podemos medir bem a prodigiosa obra de misericórdia realizada por Nosso Senhor, com a instituição da sagrada Eucaristia. Tanto quanto a presença d’Ele tem um valor infinito, tanto assim também tem valor infinito o fato de Ele estar realmente presente sob as sagradas espécies por toda a Terra, e em todos os homens que queiram condescender em O receber.

É muito bom, também, imaginarmos as horas e horas e horas que Ele passa abandonado nos sacrários, adorado apenas por Nossa Senhora, pelos Anjos e Santos do Céu. Pensar nos homens ausentes e distantes, e Ele à espera de que um deles queira vir recebê-Lo. De tal maneira o Infinito se sujeita ao que é finito, Aquele que é a própria pureza e a própria perfeição, se sujeita às boas disposições e, mais ainda, às vezes às más disposições daqueles que bem mal O querem receber.

Enlevo e gratidão

Por pouco que se pense nisto tudo, nossa alma não pode deixar de transbordar de reconhecimento, de enlevo, de gratidão por aquilo que Nosso Senhor operou na Última Ceia. Só uma inteligência divina poderia excogitar a sagrada Eucaristia, poderia imaginar esse meio de estar presente por toda parte e de entrar em todos os homens. E só mesmo um Deus podia realizá-lo!

Por mais que essas verdades sejam sabidas, é imperioso que nós detenhamos sobre elas nossa atenção e, por intermédio de Nossa Senhora, demos graças enormes a Deus, pela instituição da sagrada Eucaristia.

Simplesmente agradecer “por intermédio” de Nossa Senhora?

Se é verdade que todo dom vindo do Céu para os homens foi pedido por Ela — porque sem seu pedido o dom não teria sido dado — é verdade que Nossa Senhora pediu a instituição da sagrada Eucaristia, e foi pelos rogos d’Ela que Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu. Portanto, não devemos utilizá-La apenas como intermediária desse agradecimento, mas devemos agradecer também “a Ela” a sagrada Eucaristia.

Devemos agradecer a Jesus, que condescendeu em instituí-la, e a Maria que, movida pela graça, pediu a Deus esse favor transcendentalíssimo, e o obteve para nós.

É este pensamento que não pode deixar de estar presente nos nossos espíritos nesta Quinta-Feira Santa.

A maravilha da Missa

Há um pensamento transcendental, que também devemos ter em vista hoje, e que diz respeito ao santo Sacrifício da Missa. Os senhores sabem bem que a transubstanciação se opera no próprio ato em que Nosso Senhor Jesus Cristo renova a sua Paixão. A essência da Missa, que é a renovação da Paixão e Morte de Jesus Cristo, está na transubstanciação, que é o prodígio pelo qual o pão e o vinho se fazem Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelas palavras sacramentais pronunciadas pelo sacerdote. A Missa, que é ao mesmo tempo oferecimento e imolação, é também o ato determinante da presença real de Jesus sob as espécies que depois se conservam nos sacrários. Então, aquele homem que estivesse presente no Calvário, depois do “Consummatum est”, depois que as santas mulheres receberam o corpo descido da Cruz, depois que Nossa Senhora chorou sobre Ele e foi embalsamado, depois que Ele foi levado até o sepulcro, depois que a Cruz ficou sozinha no alto do Gólgota e todo mundo foi embora — aquele homem ali solitário, com o espírito cheio de Fé, compreenderia ser aquela Cruz o símbolo de um ato que tinha que se re-

novar, de um ato que, pela mesma lógica, convinha enormemente que se multiplicasse.

Esse ato, de fato, se renovou de um modo prodigioso por toda a Terra, e continuará se renovando até o fim do mundo, na Missa.

Os teólogos dizem que o Sacrifício da Missa tem um valor tão inapreciável e infinito, ao pé da letra, que se em um determinado dia ela deixasse de ser celebrada, a justiça de Deus cairia sobre o mundo, dando-lhe fim.

Houve um pintor — não me lembro qual — que pintou um quadro muito bonito, representando a última Missa sobre a Terra. Mostra ele, no meio do caos e da desordem, um padre que celebra a Missa, oferecendo a Deus o Sacrifício do Altar. Nesse momento, estão to-

dos os Anjos prontos para cair sobre a Terra para executar a justiça de Deus e desencadear o fim do mundo. Mas eles todos estão parados, ainda, à espera de que a última Missa tenha sido celebrada. Porque tal é a reverência de Deus Padre para com o sacrifício de seu próprio Filho, a Ele oferecido na Missa, que nem o desígnio de acabar com o mundo O faria precipitar sua mão, antes desse sacrifício ser concluído.

Sacerdócio e bondade de Deus

Nós devemos considerar ainda que a Quinta-Feira Santa foi o dia da instituição do sacerdócio. O poder de consagrar foi conferido aos apóstolos nesta ocasião. Houve nesse dia, portanto, três maravilhas, conexas entre si: o Sacrifício, o Sacramento e o Sacerdócio, às quais se deve juntar o insigne ato do lava-pés.

Entretanto, o dia da instituição da Eucaristia, que deveria ser um dia de alegria, um dia de júbilo, é um dia de júbilo misturado com tristeza. Tristeza por causa da Paixão que se aproxima. Tristeza por causa do ódio satânico que fervia em torno mesmo do Cenáculo, onde Nosso Senhor Jesus Cristo estava por essa forma consumando a sua obra. Tristeza por causa da tibieza dos apóstolos, da fraqueza daqueles que eram, entretanto, os primeiros e os mais imediatos beneficiários de todas essas maravilhas. Tristeza por causa do filho da perdição, que estava sentado entre os apóstolos e ia executar o crime nefando, o pior crime da História, o de vender por trinta dinheiros Nosso Senhor Jesus Cristo.

E Ele, sendo Deus, tendo conhecimento de todas as coisas que iam acontecer, entretanto não trepidou em acumular tantas maravilhas sobre as pessoas desses pobres miseráveis que daí a pouco iam fazer tudo quanto fizeram, e do traidor por excelência, que fez tudo quanto fez.

Os senhores estão vendo o que é a vocação. Os senhores estão vendo o que é a misericórdia de Deus, a qual nada consegue abalar ou demover. Jesus Cristo tinha intuito de construir o seu Reino sobre a Terra, tinha o intuito de fazer daqueles apóstolos os pilares desse Reino. De fato, Ele cumulou de dons esses apóstolos. Eles foram infiéis, mas esses dons não se perderam. Os apóstolos acabaram sendo fiéis e as intenções de Nosso Senhor Jesus Cristo acabaram se realizando.

Graça a pedir na Quinta-Feira Santa

Aqui nós temos um argumento para nos estimularmos no meio de nossas incontáveis fraquezas.

Quantas razões para nós batermos no peito! Quantas razões para considerarmos as nossas confissões apressadas, as nossas comunhões mecânicas e sem piedade verdadeira! Quantas razões para pensar nas mil ocasiões em que estivemos abaixo de nossa vocação!

Entretanto, Nossa Senhora continua a nos proteger, continua a nos ajudar, continua a nos conceder graças de toda ordem. Podemos esperar que Ela tenha a intenção misericordiosa de nos conservar como seus apóstolos para todo o sempre, para a criação do Reino de Maria, apesar de todas as nossas insuficiências, de nossas carências, de nossas infidelidades.

E assim devemos nos inclinar a seus pés e pedir que Ela nos trate como tratou os apóstolos e obtenha para nós um trato análogo da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, pedir-Lhe que — fechando os olhos às nossas fraquezas e misérias passadas e presentes, e até mesmo àquelas que de futuro nós possamos ter — Ela queira não romper esse pacto de misericórdia que Ela estabeleceu conosco. Que Ela queira manter esse pacto e fazer chegar logo o dia mil vezes feliz em que nos confirme na fidelidade. E em que nós possamos, afinal, ser para Ela razão de uma alegria estável, permanente, durável, sólida e séria, por nossa grande fidelidade.

Esta é a graça que na Quinta-feira Santa devemos especialmente pedir.

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