Tocha ardente de amor a Deus

Não podemos nos salvar se não tivermos amor sobrenatural a Deus, e é Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças, que nos obtém esse amor. Ela ama o Criador mais do que todos os Anjos e homens juntos, e, à maneira de uma tocha a qual se acende no Sol, transmite esse fogo às outras criaturas.

 

Pediram-me para tratar a respeito da invocação de Nossa Senhora do Divino Amor, cuja festa se comemora no sábado anterior ao domingo de Pentecostes. Qual é o sentido profundo dessa devoção?

Só obteremos o amor de Deus por meio de Nossa Senhora

A coisa mais preciosa que o homem pode ter nesta Terra e lhe granjeia o Céu é o amor de Deus. Este é o primeiro dos Mandamentos o qual dá valor a todos os outros. Se uma pessoa cumprisse os nove Mandamentos, por outras razões que não o amor de Deus, aos olhos d’Ele não teria valor, porque é preciso que tudo seja feito por amor do Criador para ter valor. Portanto, a virtude cúpula, a virtude áurea, de acordo com a Doutrina Católica é o amor de Deus.

Por outro lado, é este amor que nos abre a porta do Céu, onde nós estaremos praticando um eterno ato de amor de Deus. De maneira que essa invocação se refere a Nossa Senhora enquanto nos obtendo e comunicando a mais alta virtude e o mais elevado dom que Ela teve e que pode ser obtido para uma criatura.

Isto posto, precisamos nos perguntar qual é o papel de Maria Santíssima na obtenção e na difusão do amor de Deus.

A questão se põe de um modo muito simples. É uma verdade de Fé, a qual ninguém pode negar sob pena de pecado mortal, que Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças, ou seja, todas as súplicas dirigidas a Deus passam por Ela, de tal maneira que os pedidos de todos os Santos do Céu, feitos em união com Maria, são atendidos, mas se Ela não pedisse com eles não seriam ouvidos. Entretanto Ela pedindo sozinha é atendida. Assim, todas as graças concedidas por Deus nos chegam por meio d’Ela. Por vontade divina, a Santíssima Virgem é o canal por onde todas as preces sobem a Deus e todas as graças descem para os homens. Logo, o amor de Deus é Ela que nos obtém.

O amor natural e o sobrenatural a Deus

Em princípio, poderíamos considerar o amor a Deus em duas linhas: o natural e o sobrenatural. O amor natural a Deus seria o praticado por alguém que não conhecesse senão a religião natural. Há certas verdades a respeito de Deus que os homens conhecem simplesmente pela razão, não porque estejam na Escritura e, portanto, tenham sido reveladas, nem por constarem da Tradição, mas por serem dedutíveis pela razão humana. Por exemplo: há um só Deus supremo, criador de todas as coisas, infinitamente perfeito, misericordioso, justo, que ama os homens e os chama para uma vida eterna depois desta existência. Essas verdades o homem conhece simplesmente por sua razão e, de si, justificam o amor a Deus.

Mas para nós, que fomos batizados e temos a Fé e toda a vida da graça a qual a Igreja oferece, não há apenas esse amor natural a Deus. Existe também o amor sobrenatural, fruto específico de um conhecimento sobrenatural de Deus. Quer dizer, o que nós conhecemos de Deus pela Revelação e pela graça é incomparavelmente mais do que a nossa simples razão poderia alcançar. A Santíssima Trindade, por exemplo, nós não conhecemos pela nossa razão, mas por nos ter sido revelada. E assim uma caudal enorme de verdades de Fé fundamentais que nós só conhecemos porque Deus revelou.

Ensina-nos a Igreja que esse ato pelo qual a razão humana adere ao que foi revelado é um ato sobrenatural, ou seja, sem uma graça concedida por Deus para isso, o homem é incapaz de crer. Embora o ato de Fé seja conforme à razão e justificado por ela, o simples raciocínio não basta para que o homem o pratique. Ele precisa de um auxílio especial o qual já é, nesta Terra, o começo da visão beatífica, uma semente do que faremos quando, no Céu, contemplarmos Deus face a face.

Este ato de conhecimento sobrenatural traz como consequência o amor de Deus, que é sobrenatural também. Um amor que só pode ser obtido, portanto, por meio de uma graça. E este amor que vem, portanto, de Deus para nós a fim de O amarmos, é preciso que antes Ele nos tenha amado e nos tenha dado a graça de amá-Lo. O primeiro passo é d’Ele para conosco e não nosso para com Ele. E este amor sobrenatural nos vem da graça; sem a graça nós absolutamente não o obteríamos.

É Nossa Senhora que pede para nós a Fé e a graça do amor. E sem a graça nós não teríamos nem a Fé, nem o amor sobrenatural.

Ela é a Medianeira que nos obtém do Criador este amor sobrenatural a Ele. O católico não pode salvar-se sem um amor sobrenatural de Deus.

Verdadeira alma do apostolado

Não basta dizer que Maria Santíssima, por sua intercessão, nos obtém este amor. Ela é um reservatório, uma tocha ardente deste amor e o comunica aos outros. Ela, que ama mais a Deus do que todas as criaturas juntas O amam, transmite o amor para as criaturas. Mais ou menos como uma tocha a qual se acende no Sol, que é Deus, e depois passa o fogo a todas as outras criaturas. Ela é um reservatório, um mar, um oceano imenso de amor e o transmite aos outros.

Assim, em última análise, para todos os problemas de nossa vida interior temos que pedir, antes de tudo, o amor de Deus. Precisamos agradecer o amor de Deus que nós recebemos e pedir mais. E não podemos fazer a Nossa Senhora uma súplica mais agradável do que pedir-Lhe isso. Se o tivermos praticaremos todas as outras virtudes. Se não o possuirmos não praticaremos nenhuma virtude.

A repercussão disso no apostolado é enorme. Porque o apostolado é um ato pelo qual uma pessoa comunica a outra o conhecimento de Deus, através da Fé, e o amor de Deus, por meio do bom conselho.

Meu ato de apostolado só pode ser fecundo se uma ação sobrenatural da graça ajudá-lo. Senão, é inteiramente incapaz de fazer qualquer coisa boa. Recordem-se da comparação: a graça seria algo de mais ou menos parecido com a energia elétrica que passa pelo tungstênio.

Então, Nossa Senhora é a verdadeira alma de meu apostolado. Porque é por meio d’Ela que obtenho as graças para ele frutificar.

O princípio fundamental do livro de Dom Chautard, Alma de todo apostolado, está representado nesta invocação: “Nossa Senhora do Amor Divino”. Quer dizer, a Santíssima Virgem enquanto dando ao apóstolo o amor de Deus e o ajudando a transmiti-lo para as outras pessoas. Nossa Senhora é a condição fundamental de minha vida espiritual e da fecundidade de meu apostolado.

Aquela famosa figura oriental de Maria Santíssima, que está rezando e tem dentro de Si o Menino Jesus com um pergaminho, ensinando, poderia se chamar perfeitamente Nossa Senhora do Amor de Deus. Enquanto Ela reza, na pessoa d’Ela o Divino Infante ensina. Então, também é Ela enquanto ora que obtém para todo mundo o amor de Deus, ou seja, o Menino Jesus fala a todas as almas, em Nossa Senhora, dando-nos o amor de Deus. Portanto, para quem quer cultivar a fecundidade no apostolado – o apostolado individual, por exemplo – é absolutamente fundamental uma compenetração da importância de Nossa Senhora neste sentido.

O Reino de Maria será o Reino do Espírito Santo

Na capela do Santíssimo Sacramento da Igreja da Consolação, em São Paulo, sobre uma coluna à direita de quem olha para o altar, há uma imagem de Nossa Senhora do Divino Amor, lavrada em madeira, em cujo Coração está a figura do Espírito Santo.

Certa ocasião, rezando diante dessa imagem, vinha-me ao espírito esta consideração: Como seria a alma de Nossa Senhora enquanto inundada pelo Divino Paráclito? Se eu pudesse penetrar na santíssima alma d’Ela, como se entra numa catedral, o que veria?

É próprio do Espírito Santo comunicar a graça divina, um dom criado de caráter espiritual e, ao mesmo tempo, uma participação na vida de Deus; a graça nos transmite a própria vida divina. Compreende-se, assim, a relação possante existente entre a graça e o Espírito Santo.

Maria Santíssima é nossa Mãe, mas também a Esposa do Divino Espírito Santo, que n’Ela gerou misteriosamente o Menino Jesus, tornando-Se, por esta razão, medianeira universal e omnipotente junto a Ele. Assim, sendo a Mãe da Divina Graça e Esposa do Divino Espírito Santo, Ela pede por nós as graças e é atendida. De maneira que Ela é o canal do Divino Espírito Santo junto a nós.

Por ser cheia de graça, Ela transborda das graças do Espírito Santo, e nunca ninguém teve a graça que Ela possui. E é da exuberância de suas graças que Ela nos comunica a graça. Então, tudo quanto Dom Chautard afirma a respeito do apóstolo, que deve ser um reservatório de graças de cuja exuberância todos se abeberam, diz-se de Nossa Senhora de um modo superexcelente, maravilhoso.

Por causa disso também, o Reino de Maria será o Reino do Divino Espírito Santo. São Luís Grignion de Montfort deixou isso claro no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: houve o Reino de Deus Padre e o de Deus Filho, depois virá o Reino do Divino Espírito Santo, que terminará num dilúvio de fogo de amor e de justiça. Esses três reinos sucessivamente devem marcar as três grandes eras da História. Portanto, assim como acreditamos que vem o Reino de Maria, devemos crer na vinda do Reino do Divino Espírito Santo.

Simetricamente com isso, Nossa Senhora obterá – é uma conjectura minha – que o Divino Espírito Santo instaure um foco pujantíssimo d’Ele, que floresça com todos os seus dons na Terra, então desinfestada e purificada da presença imunda dos demônios.

Vamos ficar pasmos com duas coisas que são novas para nós: a fraqueza do mal e a força do bem. Hoje em dia nós vivemos consternados com a fraqueza do bem e a força do mal. Porém, virada essa página da História, teremos o gáudio de constatar a força do bem e a fraqueza do mal. Isso levará nossas almas a não sei que estado de alegria. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 25/10/1971 e 26/11/1985)
Revista Dr Plinio 266 (Maio de 2020)

 

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